Monday, March 24, 2008

Tó Lobo abre o jogo sobre o futebol de Cabo Verde


Tó Lobo parece cansado, mas quer desabafar. O treinador, recentemente demitido da equipa da Boa Vista, recebeu a reportagem auma entrevista e traçou seu retrato do futebol cabo-verdiano. Ele não poupa críticas à desorganização do desporto, à falta de critérios e à inactividade da selecção, revela os motivos de sua saída do Boa Vista e recorda momentos da carreira. O técnico garante que a palavra “reflexão” anda em falta no dicionário dos dirigentes que comandam o desporto no país.


Saída do Boa Vista
O olhar de Tó Lobo brilha quando o assunto é futebol. O experiente treinador, seis vezes campeão nacional, faz questão de explicar cada detalhe do desporto com entusiasmo. A sua expressão e o tom de voz só mudam quando o assunto é a recente demissão do Boa Vista. Visivelmente inconformado, acredita que poderia ter dado continuidade ao trabalho. “Eu sabia que a equipa do Sporting era superior e que seria muito difícil chegar ao título. Então, a minha meta era lutar pelo 2° lugar, classificarmo-nos para o Campeonato Nacional. Mas os dirigentes do clube queriam ser campeões à força e tomaram uma decisão precipitada”, revela.
Tó Lobo acrescenta que o plantel é muito reduzido, cerca de 19 atletas, o que não lhe dava muitas opções de mudança e de esquemas tácticos. Ele garante que o ambiente interno, entre os jogadores e a direcção, não é dos melhores. “A pressão dos directores sobre os jogadores é muito grande. A todo o custo querem impor a conquista do título, que acaba por deixar o ambiente mau, antagónico. Mas comigo os atletas não falavam nada, não existia problema entre nós”.
Quanto ao seu estado de saúde, ele confirma que está doente, tem complicações causadas pela diabetes, e que pretendia fazer uma viagem para se tratar, mas os dirigentes do Boa Vista não aprovaram a ideia de ficarem os adjuntos a comandar a equipa. Porém, para Tó Lobo não foi tal facto que influenciou a sua saída do clube e avançou que a rescisão foi amigável.
Selecção de Cabo Verde
Sobre a selecção de Cabo Verde, Tó Lobo constata que não existe um calendário de torneios e partidas. Segundo ele, “Cabo Verde não compete, não faz jogos amigáveis, só o faz em casos pontuais, quando o governo dá apoio. Assim, as coisas não funcionam. A selecção só se reúne às vésperas de um torneio oficial”. O treinador acha que sem uma preparação, a experiência que daria aos cabo-verdianos o nível técnico internacional está ainda por vir.
Outro questionamento de Tó Lobo é em relação aos critérios para a escolha do treinador e dos jogadores que integram a selecção nacional. “Algumas explicações deveriam ser dadas publicamente. Por que um determinado profissional é escolhido para dirigir ou actuar na equipa de Cabo Verde? Quais são as qualidades destas pessoas?”, pergunta. De acordo com Lobo, o comandante da selecção deve ter uma experiência internacional ou um curso de formação no futebol, pois é na união da teoria com a prática que, segundo ele, se consegue uma fórmula de sucesso. “As decisões da Federação não podem ser incoerentes, não podemos sofrer com técnicos incapazes”.
Tó Lobo aponta também o dedo à falta de coordenação e de um trabalho mais organizado dentro da selecção. “Por exemplo, para se escolher os jogadores, era preciso que alguém fosse acompanhar as partidas em todas as ilhas, gravar vídeos, seguir o desempenho do profissional. Parece que isso aqui não se faz, pois os convocados sempre são os mesmos”, critica. O treinador também não entende a ausência de um Departamento Técnico, com pessoas formadas para ajudar na gestão técnica da selecção e coadjuvar o trabalho do seu comandante, o treinador da selecção.
A desorganização do futebol cabo-verdiano
As normas que regem o futebol em Cabo Verde foram outros alvos das críticas de Tó Lobo. Ele deixou bem claro que é necessário pensar em reformular as competições e as normas que regem o desporto no país.
Na Taça de Cabo Verde, por exemplo, Tó Lobo propõe que seja adoptado regulamento único, para que todas as equipas possam ter oportunidades iguais. “A primeira etapa desta competição são as provas regionais e cada associação tem normas diferentes para realizá-la, o que não faz sentido, até pelo tamanho de Cabo Verde”, ressalta.

Tó Lobo destaca também que as sanções aplicadas aos jogadores merecem ser revistas. Dado o número reduzido de jogos, as penas não deveriam ser grandes, como por exemplo, um atleta deixar de jogar durante 4, 5 partidas. Além disso, todas as associações teriam de estipular um regulamento único, pois o “actual aparato legislativo não reflecte a realidade do futebol nacional”.
Para se reforçar a estrutura do futebol em Cabo Verde, Lobo acredita que só de um levantamento exaustivo das peculiaridades nacionais, através das opiniões de técnicos formados, adeptos e jogadores, é que se chegará a valores comuns. Só assim as competições nacionais se fortelecer-se-ão. “Sem organização não vamos a lugar nenhum”, conclui.
Momento marcante da carreira
Só uma vez sorriu em toda a entrevista: quando lhe foi pedido para falar sobre um momento inesquecível da sua carreira. Com uma expressão feliz, Tó Lobo relembrou a partida amigável entre o Sporting e o Maxaquene, equipa forte de Moçambique, em 89, foi a melhor de toda a sua vida. “O nível técnico foi impressionante e os atletas eram excelentes. Nós vencemos por 1 a 0. Tenho certeza que esse jogo ficou na história, marcou uma época”, relembra emocionado.
Tó Lobo ainda não tem planos para o futuro mas, convidado pela própria Direcção, já está a dar um apoio moral à equipa dos Travadores.
Asemana

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