Monday, June 30, 2008
Artemisa honra as cores de Cabo Verde nos Jogos Paralímpicos de Pequim
A história de Artemisa Gomes Siqueira poderia ser mais uma no meio de tantas que passam desapercebidas pela maioria dos cabo-verdianos. Mas a jovem não deixou que isso acontecesse e decidiu revelar ao arquipélago do que é capaz e o que a torna “especial”. E o meio encontrado para expressar-se foi o desporto. Aos 26 anos, Artemisa, portadora de uma deficiência motora na perna direita, detém dois recordes africanos no atletismo, modalidade lançamento de disco e dardo, e prepara-se para um nobre desafio: representar Cabo Verde nos Jogos Paralímpicos de Pequim, que começam no dia 06 de Setembro. “Aceito minha deficiência e estou sempre a ultrapassar barreiras”, orgulha-se.
A perda dos movimentos da perna direita veio com a poliomielite após uma negligencia médica. “Adquiri esta deficiência aos dois anos de idade. Minha mãe me contou que tive uma febre tetânica e fui levada para o hospital. Aplicaram-me uma injecção de forma incorrecta, mal localizada, e acabei por ficar assim”, relembra a para-atleta.
Conviver com a situação não foi uma tarefa fácil para Artemisa. “Sofri muito quando criança. Venho de uma família carenciada, sem muitas rendas e o meu pai não assumiu suas responsabilidades. Além disso, a própria cidade da Praia nunca apresentou uma infra-estrutura adequada para nós. Aqui não há rampas e corrimãos, só escadas. Sem falar nas pessoas que tendem a nos excluir. No autocarro, por exemplo, alguns passageiros me deixam sentar, mas muitos não cedem o lugar”, conta.
Ao sentir na pele os efeitos do preconceito, Artemisa optou pelo isolamento, uma espécie de “camuflagem”, como ela mesmo define. Até que em 2003, foi chamada pelo secretário-geral do Comité Paralímpico de Cabo Verde, Rodrigo Bejarano, para integrar a equipa de atletismo. Bejarano lembra que a jovem era uma pessoa retraída e as transformações foram muitas, desde então. “A actividade desportiva a ajudou a ver o mundo de uma outra forma. Antes ela era introvertida e agora está mais aberta e feliz. E olha que a Artemisa ainda é mãe, estudante, trabalhadora e atleta e, mesmo assim, já tem duas marcas em África. Um exemplo de vida a ser seguido por todos”.
Artemisa Siqueira confirma que o atletismo foi determinante para seu crescimento pessoal. “O desporto foi para mim um processo de socialização, tive mais oportunidades. Através dele, integrei-me de uma maneira correcta e honesta. No começo, sentia dores nas actividades, dava vontade de desistir, mas aos poucos fui me sentindo saudável. Agora, minha auto-estima sempre está alta para mostrar os valores de um deficiente” diz ela.
O treinador cubano René Zaragoza é o responsável por orientar os seus treinamentos físicos e técnicos. No início, ele surpreendeu-se com o talento da para-atleta. “Quando cheguei para treinar Artemisa, percebi logo sua qualidade no lançamento de disco, dardo e peso. A partir daí, começamos a desenvolver um trabalho específico nesta modalidade”. Para satisfação do treinador, a crioula dedicou-se por completo, mesmo com a falta de uma infra-estrutura adequada. “Trabalhamos atrás da Biblioteca Nacional, ou seja, com as condições mínimas. Por isso, é preciso valorizar todo o seu esforço. Artemisa venceu as dificuldades com muita entrega. O seu sacrifício nos treinos nos motivou muito, ela sempre tem interesse de melhorar o seu rendimento”, ressalta Zaragoza.
A cabo-verdiana apresentou resultados expressivos nas competições nacionais e logo frequentou formações e disputas internacionais em África e na Europa. Na Holanda, a para-atleta teve a maior emoção da carreira ao bater os recordes africanos no disco e dardo, categoria “F- 42”, que leva em conta sua deficiência. “De lá, fui para os Jogos Paralímpicos da Grécia, em 2004. Como tinha treinado apenas três meses antes e tive de participar de uma outra categoria, fiquei no 13º lugar na classificação geral. Mas foi importante para mim e gostei muito de estar lá”, conta.
Este ano, Artemisa foi a única desportista nacional a receber do Comité Paralímpico Internacional o convite para competir na China, nos Jogos de Pequim. “Não vou prometer medalhas, pois treino três vezes por semana e só agora comecei a me preparar para a China. Passo por problemas financeiros e, infelizmente, é difícil conciliar trabalho, desporto, estudo e ainda ser mãe. Mas vou fazer meu máximo, dar o meu melhor para aperfeiçoar minhas marcas e manter meus recordes. Tenho consciência que vou competir com profissionais que são pagos, que treinam há quatro anos”, confia.
E que ninguém duvide do seu desempenho. Como na própria vida, recheada de obstáculos, Artemisa está a superar-se. O treinador René Zaragoza revela que suas marcas estão muito boas em 2008 e que ela ganhou maturidade e experiência desde os últimos Jogos. “Estamos a trabalhar em dobro para Pequim. Na Grécia, o factor psicológico a atrapalhou, pois ela sentiu a responsabilidade de estar num estádio cheio, com o público a gritar. Agora, já sabe lidar com a situação, está madura e cresceu como atleta”. Antes embarcar para o Oriente, a cabo-verdiana participa de um mini-estágio preparatório na Holanda, a partir do dia 10 de Agosto.
Quanto ao futuro, Artemisa Siqueira espera que o desporto paralímpico cresça e desenvolva no país, mas não confirma se vai dar continuidade à carreira. Ela deixa claro que sua prioridade é sustentar a sua filha, já que muitas vezes tirou dinheiro do bolso para treinar ou não o fez por falta de recursos. “No momento estou a batalhar o futuro da minha filha. Frequento o curso de “serviço social” para a Vanessa (de três anos) não passar pelas dificuldades que passei. Vou trabalhar e estudar muito para cumprir este objectivo”, ressalta Artemisa, que é recepcionista do Centro Ortopédico Nacional de Reabilitação.
Falta de visibilidade
Rodrigo Bejarano, do Comité Paralímpico de Cabo Verde, garante que uma das maiores preocupações da entidade, além da integração social, é a de dar visibilidade às actividades desenvolvidas por estas pessoas, que vencem batalhas diárias e não tem qualquer reconhecimento. “A sociedade não conhece a realidade do desporto adaptado. Já ganhamos medalhas internacionais, mas muitas pessoas não sabem disso. A Artemisa é um exemplo e muitos outros têm condições de representar o país no cenário internacional. O desporto, em geral, não tem apoio aqui, imagina, então, o para deficientes, que sequer é comercial”.
Rodrigo e René aproveitam a oportunidade para chamar as pessoas, independente da idade e da deficiência, para integrar o plantel dos para-atletas. “As portas estão abertas para todos, é só nos procurar. Queremos aumentar a auto-estima das pessoas e integrá-las na sociedade”, espera René Zaragoza.
Asemana
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Cuidado pais ao deixarem as vossas meninas deficientes com desconhecidos. Esta associação não vem fazsendo praticamente nada. Somente se aproveitando das desgraças dos outros para beneficio proprio.
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