Tuesday, October 2, 2007

Desporto em Portugal: Nação Crioula, Geração de Ouro

São inúmeros os desportistas cabo-verdianos que fazem ou fizeram história no desporto... português. Com a dupla nacionalidade no bilhete de identidade, a maioria acaba mesmo por representar Portugal nas grandes competições internacionais, mas nenhum renega a sua nacionalidade, berço que lhes deu a aptidão natural de fazer sonhar, que os trouxe ao mundo do desporto, e dos sucessos. Ninguém pode adivinhar, quantas medalhas ou títulos internacionais teria Cabo-Verde se a maioria por lá tivesse ficado...mas que seriam muitas, isso é uma evidência.

Pedro Cativelos

Netcha, ou Nelson, salense de 24 anos, defesa direito do Benfica, é um desses casos. “Sempre prometi dedicação para representar bem o nome de Cabo Verde, um orgulho que sinto dentro de mim, e que nunca esqueço quando jogo à bola”. O atleta nascido em Cabo Verde, veio ainda jovem para Portugal, jogou, melhorou e acabou por se tornar num dos mais ilustres caboverdianos em Portugal. No momento de decidir, escolheu Portugal para vestir na camisola, com África no sangue e Cabo Verde no coração.
Mas não é o único, longe, muito longe disso. A lista é longa e nela se podem incluir inúmeros nomes enquadrados nas mais diversas modalidades, como Manú, Carlitos, Rolando, Nuno Delgado, Hugo Miranda, Ana Miranda, João Gomes (Betinho), Francisco Rodrigues, Nelson Évora, Nani, Manuel Fernandes, Jorge Andrade... Muitos são os casos de relevo. Todos se destacam no que fazem, com arte nas movimentações, apaixonados na luta por um ideal. “Assumimos voluntariamente a obrigação, com a consciência de que as relações históricas permitem maior proximidade com Cabo Verde, Angola, Moçambique... Estes atletas têm feito evoluir o desporto português, fazendo dele uma forma de estreitar laços com os nossos irmãos”, como ilustra Laurentino Dias, o secretário de estado do desporto de Portugal.
Também Aníbal Cavaco Silva, presidente da República de Portugal não deixa passar igualmente a oportunidade de exaltar “as excelentes relações, quer do ponto de vista político, económico e desportivo entre estes dois países irmãos e os frutos que a todos em uníssono, estas vitórias nos têm proporcionado”, declara.

Movimentos perpétuos

Há mais de meio século, Portugal recebeu o primeiro futebolista cabo-verdiano da sua história. Chamava-se Henrique Ben David e pisou os relvados portugueses nos princípios da década de cinquenta. Nasceu no Mindelo, em São Vicente, em 1926 e, ainda moço, demonstrava já habilidades invulgares para a bola. De estilo ágil e simultaneamente poderoso, começou a brilhar no Mindelense e acabou por vir para Portugal contratado pela CUF. Todavia, foi no Atlético Clube que acabou por fazer história. Lembram as velhas cadernetas de cromos e as amarelecidas fotografias de arquivo o momento da estreia, contra o Boavista, em que marcou dois golos de rompante. Depois viriam muitos outros, noventa e oito ao certo, enumeram os registos escritos, mas logo ali, desde aquelas primeiras fintas perfumadas com pontapés violentos, nasceria uma estrela. Não foi assim muito difícil ser o primeiro cabo-verdiano a representar a selecção de Portugal, o que acabou mesmo por acontecer num duelo com a Inglaterra. A derrota por 5-3, não apagaria os números da sua memória. Mais dois golos numa estreia, esta com o sabor especial de ter sido, uma vez mais, o primeiro crioulo a conseguir fazê-lo.
De então para cá tem sido crescente e constante este movimento acelerado de desportistas originários das ilhas de Cabo Verde a despontarem para as medalhas, para os aplausos, para os êxitos, a muitos quilómetros de distância de casa. Alguns já nasceram em Portugal, outros, pelas mais variadas razões, acabam por sair e tentar a sorte, bem longe da sua terra.
Em Cabo Verde, o número de pessoas que partiram aproxima-se do número das permaneceram e quase todos têm um parente próximo na Europa ou nos Estados Unidos. Reflexo desta realidade que se arrasta há várias décadas, a verdade é que inúmeros cabo-verdianos que enriquecem o desporto português são provenientes da comunidade cabo-verdiana radicada em Portugal (estima-se que mais de 100 mil), uma segunda geração com duas pátrias culturais, linguísticas e desportivas, que acaba por encontrar o seu caminho no desporto, em muitos casos, com sucesso.
Jorge Andrade, capitão da selecção nacional de futebol, pode ser o caso ideal para exemplificar esta realidade. Português de nascença, mas filho de pais cabo-verdianos da Calheta de São Miguel radicados em Portugal desde a década de setenta, Jorge Andrade já sentia há muito o espírito cabo-verdiano. “Desde pequeno que sempre fui um pouco cabo-verdiano, que é a terra dos meus pais. Mesmo em Portugal tenho muito contacto com a cultura de Cabo-Verde”, mas só recentemente conheceu o país na primeira pessoa, quando a convite da federação cabo-verdiana apadrinhou uma escola de futebol e algumas instituições de cariz social. “Estar ali e poder ajudar aqueles meus irmãos foi uma grande alegria, inesquecível mesmo, marcante", recorda.
Também Nani poderia representar a selecção de Cabo Verde, Afinal, é filho de cabo-verdianos. Mas como outros na sua situação, escolheu Portugal. “Porque nascemos e crescemos aqui, e é aqui que temos os nossos amigos, a nossa vida, apesar de nunca esquecermos as nossas raízes cabo-verdianas”, conta Nani, ainda garoto que se vai fazendo adulto nos campos da Premier League, ao lado de Cristiano Ronaldo.
A história de Nelson Évora, atleta do Benfica e campeão do Mundo de triplo salto é um pouco diferente e ainda mais atribulada. Filho de pais cabo-verdianos, nasceu na Costa do Marfim e chegou ainda criança a Portugal. Começou a treinar-se na rua, em brincadeiras de amigos, mas depressa os seus dotes deram nas vistas. Esteve para ser futebolista, mas foi o atletismo que o fez correr e mais tarde saltar para o patamar dos predestinados. Até 2002, data em que se naturalizou português, detinha ainda o recorde no salto em comprimento e o triplo salto em Cabo Verde. “Foi um orgulho representar Cabo Verde, como o é agora representar Portugal. Tenho-os no coração, portugueses e cabo-verdianos, tenho amigos lá e cá, e no espírito as vitórias são de ambos”, revela.
Já Betinho, cabo-verdiano de berço, português de passaporte, é tido como a grande esperança do basquetebol português. Há cerca de quatro anos em Portugal, o extremo de 22 anos é, desde 2005, cidadão português de pleno direito. Natural da Ilha do Fogo tem merecido destaque em vários meios de comunicação social devido à sua ida, entretanto adiada, para a NBA. O momento da escolha foi “entre dois países irmãos foi difícil”, conta. “Muitos questionam-me sobre o facto de estar ou não arrependido por me ter naturalizado português, para mais num momento em que Cabo Verde brilha como apuramento para o pré olímpico. Estou feliz por saber o que os companheiros cabo-verdianos fizeram e como eles também desejo ir aos Jogos. Mas posso atingir esse objectivo com Portugal. Sei que é difícil, mas tanto os cabo-verdianos como os portugueses têm capacidade para realizar os seus sonhos”.

Globalização, futuro, incerteza...

Para além de um passado e de uma língua em comum, permanecem difusas as razões de uma especial, quase ímpar, relação de afectos e proximidades entre o povo de Cabo Verde e os seus desportistas espalhados pelo mundo. Miguel Vale d’Almeida, antropólogo, explica o fenómeno. “Muitas vezes, para afirmar a sua identidade, os emigrantes cabo-verdianos fazem-no através da prática cultural, desporto, música, dança, como forma de se integrarem na sociedade que os acolhe”, explica. Depois de integrados, prossegue, “muitos acabam assim por se inserir socialmente no meio que os viu nascer, apesar de permanecerem sempre ligados às suas mais profundas raízes culturais”.
Num dos seus últimos números, a categorizada revista portuguesa Análise Social, apresentou um estudo organizado por Nina Clara Tiesler, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, e João Nuno Coelho, da Escola Superior Artística do Porto, que reúne contributos de investigadores provenientes de diferentes países que têm vindo a desenvolver um trabalho sobre o fenómeno do futebol. Neste número inteiramente dedicado ao tema "Futebol Globalizado", a confirmação teórica de uma realidade demasiado constatada.
Num mundo de tendência globalizante, onde o desporto não escapa à norma internacional, Cabo Verde e a sua relação especial com Portugal terá sido dos mais interessantes fenómenos que se verificaram e verificam ainda a este nível e que se vai testemunhando em outros países como a França ou a Alemanha. “Os padrões de migração para Portugal de jogadores de futebol africanos, avaliando a medida pela qual o futebol português tem explorado os recursos futebolísticos das suas antigas colónias africanas têm potenciado o desporto português e estabelecido uma relação curiosa entre os dois países, em que as vitórias e as derrotas, acabam por ser partilhados por ambos, de forma distinta, mas com o mesmo sentimento”, explica Paul Darby, professor da Universidade de Ulster, Jordanstown, um dos investigadores que estudou o assunto.

Cabo-verdianos que marcaram o desporto português
Ben David - Futebolista
Carlos Lisboa - Basquetebolista
Judith Paris - Jogadora de Andebol
Carlos Alhinho - Treinador e futebol
Oceano - Futebolista
Neno - Futebolista
Semedo - Futebolista


ASemana

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